Criação de cães e ferramentas moleculares: usos e preocupações
Criação de cães e
ferramentas moleculares: usos e preocupações
G. Leroy, Z. Trainin
G. Leroy, Z. Trainin
Resumo:
Durante as últimas décadas, a criação foi apoiada por um número crescente de ferramentas que fornecem informações genéticas/moleculares. Essas ferramentas podem ser baseadas na variação neutra dentro do genoma do cão (testagem de parentesco, designação de raça, estimativa da variabilidade genética por dentro e por fora das raças como do cão em si) ou em um Target de Variações Funcionais (teste genético identificando portadores de doenças hereditárias). Essa crescente disponibilidade pode, no entanto, confundir criadores e interessados, que podem não estar cientes dos riscos envolvidos pelo uso inadequado dessas ferramentas. Portanto, é uma necessidade urgente estabelecer diretrizes adaptadas que instruam clubes e criadores.
Durante as últimas décadas, a criação foi apoiada por um número crescente de ferramentas que fornecem informações genéticas/moleculares. Essas ferramentas podem ser baseadas na variação neutra dentro do genoma do cão (testagem de parentesco, designação de raça, estimativa da variabilidade genética por dentro e por fora das raças como do cão em si) ou em um Target de Variações Funcionais (teste genético identificando portadores de doenças hereditárias). Essa crescente disponibilidade pode, no entanto, confundir criadores e interessados, que podem não estar cientes dos riscos envolvidos pelo uso inadequado dessas ferramentas. Portanto, é uma necessidade urgente estabelecer diretrizes adaptadas que instruam clubes e criadores.
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Nos
últimos 20 anos, a genômica evoluiu de um campo promissor para a principal área
de estudo para a maioria dos criadores de animais. O cão foi uma das primeiras
espécies de mamíferos cujo genoma foi completamente sequenciado, já em 2005.
Paralelamente, um número crescente de ferramentas genômicas foi desenvolvido
para auxiliar na criação de cães. Sem entrar em detalhes sobre seus processos
de desenvolvimento, nosso interesse deve ser focado mais no uso atual e
potencial dessas ferramentas, não apenas do ponto de vista da eficácia, mas
também do ponto de vista econômico e ético.
Primeiro,
deve ser lembrado que a variação dentro do genoma nem sempre está ligada à diversidade
no fenótipo. Algumas mutações que ocorrem podem não ter um impacto específico.
Quando essas mutações não estão localizadas perto de um gene selecionado, elas
não estão sob seleção, portanto, são consideradas neutras. A importância de sua
menção se baseia no fato de que as ferramentas genômicas podem ser
diferenciadas em duas categorias, com foco na variação neutra ou na funcional.
Enquanto o objetivo da análise da variação funcional é detectar ou predizer
características fenotípicas como a cor do pelo ou a ocorrência de doenças, os
objetivos de investigar a variação neutra estão mais relacionados à avaliação
da diferenciação e diversidade dos fatores internos e externos dentre as
populações e os indivíduos.
Variação Neutra.
Ferramentas
e testes relacionados à variação neutra são geralmente baseados em marcadores
moleculares (locais em um cromossomo onde algumas variações podem ser
observadas através de um procedimento automatizado), que foram escolhidos para
serem tão representativos quanto possível de todo o genoma da “população”
estudada. Aumentar o número de marcadores usados aumentará a precisão (e o
custo) da análise, embora a precisão exigida, dependa do objetivo da ferramenta,
como por exemplo:
· A identificação genética e o teste de parentesco são, de
longe, o teste genético mais comum na criação de cães. Exige, em geral, apenas
um conjunto limitado de marcadores para garantir a diferenciação entre os
indivíduos e a compatibilidade entre os dois pais e sua suposta descendência. O
painel internacional ISAG (Sociedade Internacional de Genética Animal) para
identificação de cães inclui cerca de vinte marcadores de microssatélites. O
mais importante é o compartilhamento de conjuntos de marcadores comuns entre os
vários laboratórios em todo o mundo, a fim de poder padronizar todos os
resultados.
· Considerando que os cães geneticamente relacionados
compartilham mais alelos do que os não relacionados, iniciaram o
desenvolvimento de várias ferramentas que medem a relação entre raças e
indivíduos. Nos últimos anos, alguns laboratórios têm comercializado testes
genéticos que são capazes de identificar raças na origem de um determinado cão
de raça misturada. A eficácia de tal teste depende, é claro, do número de
marcadores utilizados (que deve ser muito mais importante que o número de
identificação genética), bem como da base genética do cão. É relativamente
fácil desvendar as origens de um cruzamento de primeira geração, mas as coisas
ficam mais complicadas quando os ancestrais do cão misto vêm de raças raras, há
dez gerações.
* Seguindo o mesmo princípio, vários usos adicionais de
variação neutra podem ser considerados. Por exemplo, a designação de raça
poderia ser usada para verificar se um cão sem pedigree, mostrando a aparência
de uma determinada raça, realmente pertence a essa raça. Isso poderia ser de
interesse para a abertura de registros para linhas que não são mais
registradas, aumentando (portanto) a variabilidade genética dentro da raça.
* Na escala populacional, marcadores neutros também têm
sido usados em vários estudos para avaliar as relações genéticas entre raças,
em relação à sua história, por exemplo (vonHoldt et al. 2010). Na prática, isso
poderia ser usado para determinar a raça a ser usada para reintroduzir alguma
diversidade dentro de uma determinada raça (Farell et al. 2015). Para o
reconhecimento internacional da raça, a FCI está exigindo um estudo genético
para avaliar o grau de originalidade genética de uma raça candidata.
* Finalmente, pode ser interessante medir o nível de
variabilidade genética compartilhada por uma população ou indivíduo,
considerando, por exemplo, as ligações entre a variabilidade genética e a
saúde. No entanto, a precisão de
tal análise depende fortemente da escolha de marcadores e indivíduos, embora
até agora, não existe nenhum procedimento específico para tal propósito. Além
disso, as ligações entre a variabilidade genética e a saúde do cão ainda não
são claras, e essa questão requer estudos adicionais.
Variação Funcional
O principal interesse dos
clubes, criadores e proprietários provavelmente estão focados nos testes
considerando as “variações funcionais”. Aqui, a precisão geralmente não está
relacionada ao número de marcadores utilizados, pois a maioria desses testes
considera apenas uma única área do genoma. No entanto, o marcador usado nem
sempre corresponde à mutação interessada, mas talvez localizado em uma área
próxima desta. Além disso, o traço de interesse pode ser de um modo hereditário
complexo (vários genes, influência do ambiente). Esses diferentes parâmetros
podem reduzir a eficácia das várias ferramentas genômicas funcionais.
* Testes de doenças genéticas evocam o maior interesse, é
claro, usando ferramentas de variação funcional para a criação de cães. No caso
mais simples, esse teste permite a identificação de portadores e potenciais
indivíduos afetados, o que é, para os criadores, mais do que útil, pois permite
a escolha correta de seus reprodutores. Por isso, pode ajudar os clubes a
aplicar estratégias adequadas de reprodução. No entanto, é preciso afirmar que
a situação nem sempre é tão simples. Há exemplos onde, por exemplo, duas formas
de uma dada doença são apresentadas, tendo duas mutações diferentes por trás (e
apenas uma tem um teste). Além disso, em vários casos, nos quais uma herança
mais complexa da doença ocorre (penetrância incompleta, vários genes
envolvidos), a eficácia da ferramenta pode ser afetada. Por exemplo, em caso de
penetrância incompleta, apenas uma determinada proporção de indivíduo portador
do (s) alelo (s) deletério (s) expressa a doença, o teste genético deve então
ser considerado como um teste de suscetibilidade.
* Em alguns casos, algumas doenças (displasia da anca ou
luxação da patela, por exemplo) são devidas a uma combinação de fatores
ambientais e genéticos (Farell et al. 2015). Aqui também, algumas ferramentas
específicas poderiam ser usadas com base no princípio da avaliação genômica,
combinando informações genômicas, fenotípicas e ambientais, para fornecer um
índice que estima a suscetibilidade genética para um indivíduo desenvolver uma
determinada característica.
* É claro que todas as mutações funcionais identificadas
não são necessárias relacionadas com doenças hereditárias. Vários testes foram
desenvolvidos em relação às cores da pelagem, e algumas mutações estão
relacionadas ao tamanho do cão ou à forma do crânio. Estes testes podem ser de
algum interesse para a escolha de reprodutores candidatos. Como algumas
mutações foram identificadas como associadas a um comportamento anormal,
podemos esperar, nos próximos anos, a comercialização de testes genéticos
focados em características comportamentais.
Durante as últimas décadas, centenas de mutações foram
identificadas em cães, quanto a características morfológicas, de saúde ou
outras. Um número crescente de testes comerciais foi desenvolvido seguindo
estas descobertas, e recentemente, pacotes de testes foram propostos para
criadores e proprietários, envolvendo mais de 100 testes genéticos em um
painel. Isso levanta várias questões para a criação de cães. Primeiro, dado o
número de testes existentes, pode ser difícil para os criadores e
proprietários, identificar os específicos necessários para o seu próprio contexto.
Como a incidência de distúrbios pode variar entre subpopulações, o uso de um
dado teste pode ser recomendado para uma dada população nacional, enquanto que
em outro país pode não ter interesse, já que a mesma mutação não está sob
segregação. Existe a necessidade de orientações nessa extensão, sendo simultaneamente
atualizadas, de acordo com a situação de saúde ou com a disponibilidade de
novos testes. Além disso, as prioridades devem ser estabelecidas na escala da
raça, pois (x) programas de seleção inadequados contra uma determinada doença
podem ter consequências de insalubridade na saúde da raça, aumentando a
incidência de outras doenças, e (y) desses testes genéticos podem ter um
impacto não negligenciável. O custo e a imposição excessiva do uso de testes
genéticos podem, em alguns casos, ser contraproducentes, afastando os criadores
da raça. O(s) teste(s) à ser utilizado(s), bem como as restrições ou incentivos
a serem estabelecidos, dependem do tamanho da população, assim como da
incidência, modo de herança e consequência para a saúde da doença. Assim, as
estratégias de melhoramento devem ser desenvolvidas de acordo com o contexto
específico de cada raça (Leroy e Rognon, 2012). Para responder a essas diversas
preocupações, o estabelecimento de diretrizes para clubes e criadores é de
extrema importância. Este é um dos propósitos da plataforma DogWellNet lançada
durante o segundo Dog Health Workshop em fevereiro de 2015. A confiança do grupo
que poderia iniciar tais diretrizes deve ser composta por pesquisadores,
veterinários, associações de bem-estar, criadores, clubes e claro a FCI, que
deve têm um papel importante na sua coordenação e implementação.
Além do número crescente de ferramentas genômicas e suas
consequências para o cão e a reprodução, uma questão crucial permanece sobre o
papel do criador no futuro. A genômica será, e na verdade já é, um componente
chave na criação de cães. No entanto, os cães não podem ser reduzidos a um
grupo de genes, que são combinados à vontade. Muito sobre a genética permanece
desconhecido, e na maioria das características, o ambiente de reprodução
continuará a ter um papel na definição da saúde, morfologia e comportamento do
cão. As ferramentas genéticas são e continuarão a servir como instrumento
complementar aos criadores. Ainda precisaremos das habilidades do criador para
melhorar e criar nossos cães.
Referências:
Farell
L.L., Schoenebeck J.J. et al. (2015) The challenges of pedigree dog health:
approaches to combating inherited disease. Canine Genetics and Epidemiology
2015, 2:3
Leroy
G., Rognon X. (2012) Assessing the impact of breeding strategies on inherited
disorders and genetic diversity in dogs. The Veterinary Journal 194(3) 343-348.
vonHoldt
B. M., Pollinger J.P. et al. (2010) Genome-wide SNP and haplotype analyses
reveal a rich history underlying dog domestication. Nature 464, 898–902.
Fonte:
FCI>DOG
HEALTH - http://www.fci.be/en/FCI-Scientific-Commission-71.html
Titulo original: Dog breeding and molecular tools: uses and concerns
Autores: G. Leroy, Z. Trainin
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